Na atividade empresarial imobiliária, é comum que as empresas desse ramo façam financiamentos junto às instituições financeiras para a construção dos empreendimentos a serem lançados.
Mas, para obterem o crédito que será utilizado para tocar as obras, os bancos pedem uma garantia do pagamento, o que, geralmente, é feito por meio de hipoteca.
Após a comercialização das unidades, os compradores desses imóveis, mesmo ao realizarem toda a quitação do contrato de compra e venda, vez ou outra, são surpreendidos com a manutenção dessa hipoteca, o que traz transtornos, especialmente quando pretendem vender esse imóvel ou trocá-lo por outro.
O novo comprador, ao pedir a certidão de ônus desse imóvel, perceberá que existe a citada hipoteca e se recusará a concluir o negócio.
E isso, certamente, trará dor de cabeça e prejuízo a quem comprou o imóvel nessa situação, com a permanência da hipoteca mesmo após a quitação dos valores.
O que é a hipoteca?
A hipoteca é um direito real (art. 1.225, inciso IX, do Código Civil), uma garantia que o credor hipotecário tem sobre a dívida que foi garantida dessa forma contra o devedor hipotecário.
Caso não haja o pagamento do valor garantido, o credor hipotecário poderá pedir a execução dessa garantia, em Juízo, e obter o valor do seu crédito mediante a alienação da coisa que foi dada em garantia.
Essa garantia vale contra o comprador do imóvel?
Como disse no começo desse texto, as empresas do ramo imobiliário (construtoras, incorporadoras ou imobiliárias) utilizam da hipoteca para angariar recursos para a realização de seus empreendimentos, dando os imóveis como garantia de pagamento.
Essa forma de garantia, entre as empresas e as instituições financeiras, tem total validade, desde que siga todos os requisitos legais.
Quanto aos compradores das unidades futuras, via de regra, consumidores, essa garantia possui validade, contudo, não possui eficácia, isto é, ela pode até existir, mas não terá a força de causar qualquer prejuízo em relação ao próprio comprador.
Mesmo que a empresa do ramo imobiliário deixe de pagar o financiamento, caso a unidade tenha sido comercializada, a instituição financeira não poderá executar essa hipoteca em desfavor do consumidor/comprador.
E o comprador, de igual maneira, poderá, quando quitado o contrato, solicitar a baixa na hipoteca.
Essa questão, há muito tempo, foi objeto de discussão perante o Judiciário, tendo havido a edição de uma súmula, pelo Superior Tribunal de Justiça, de nº 308, que diz o seguinte:
Súmula 308 – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
Note que, o entendimento sumulado, aplica-se mesmos que a hipoteca tenha sido feita antes ou depois da celebração da promessa de compra e venda entre a construtora – ou qualquer outra empresa desse ramo – e o adquirente do imóvel.
O que o adquirente pode fazer para baixar a hipoteca existente?
A existência da hipoteca poderá afastar eventuais interessados na aquisição desse imóvel, das mãos do adquirente e isso trará transtorno e prejuízos diversos.
O adquirente, então, poderá requerer, contra a instituição financeira credora da hipoteca e/ou da empresa que ele adquiriu o imóvel a retirada dessa garantia.
A jurisprudência é pacífica nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DADO EM GARANTIA PELA INCORPORADORA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. QUITAÇÃO INTEGRAL PELA ADQUIRENTE. BAIXA DA HIPOTECA. SÚMULA Nº 308 DO STJ. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS COMPROVADOS. DECISÃO MANTIDA.
1- O agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis, logo, deve o Tribunal limitar-se apenas ao exame do acerto ou desacerto da decisão recorrida.
2- De acordo com o enunciado da Súmula n. 308 do STJ, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel nas hipóteses em que resta comprovada a alienação e verificada a integral quitação do negócio jurídico. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5234896-08.2022.8.09.0000, Rel. Des (a). DESEMBARGADORA NELMA BRANCO FERREIRA PERILO, 4ª Câmara Cível, julgado em 05/12/2022, DJe de 05/12/2022)
APELAÇÃO – HIPOTECA – GARANTIA REAL PELA CONSTRUTORA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – INEXISTÊNCIA DE EFICÁCIA PERANTE OS ADQUIRENTES DO IMÓVEL – SÚMULA 308 DO STJ. – Constituição da garantia real pela construtora em prol de agente financeiro – Oposição da garantia real ao terceiro adquirente de unidade construída – Impossibilidade – Inteligência da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça: – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel, à luz da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça. RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1000101-95.2021.8.26.0224; Relator (a): Nelson Jorge Júnior; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2023; Data de Registro: 30/01/2023)
E não é demorado para que isso ocorra, visto que poderá ser feito um pedido de tutela de evidência ou de urgência, isto é, a famosa “liminar”, que entrega, no início da ação, aquele pedido que somente seria apreciado quando houvesse a sentença.
Concedida a medida liminar, o que é feito, via de regra, na primeira decisão que o magistrado fizer, no processo, rapidamente terá de ser dado o seu devido cumprimento.
Danos morais e ressarcimento por outros prejuízos suportados pela manutenção da hipoteca indevida
A existência da hipoteca, de modo indevido, pode gerar inúmeros prejuízos ao adquirente do imóvel, desde transtornos por enfrentar burocracia desnecessária a até algum outro prejuízo, de ordem material, como perder um negócio que estava se concretizando e que foi dissolvido por esse motivo.
Nessa situação, é possível que o comprador peça, na ação que pedir a baixa da hipoteca, a devida reparação de natureza moral e/ou material, alegando e provando os prejuízos experimentados, certamente haverá a devida compensação, pelo Judiciário, veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE HIPOTECA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HIPOTECA CELEBRADA COM AGENTE FINANCEIRO. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE BAIXA DA HIPOTECA. SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MANTIDA CONDENAÇÃO POR DANO MORAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO. SÚMULA 32 TJGO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO.
1.O pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação não pode ser conhecido quando não é deduzido, adequada e oportunamente, por meio de petição em apartado, com requerimento específico dirigido ao relator da apelação (art. 1.012, §§ 3º e 4º, CPC), além de já estar prejudicado em face do julgamento do recurso.
2.A súmula 308 do STJ é perfeitamente aplicável à hipótese dos autos, segundo a qual a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante o adquirente do imóvel.
3.Na hipótese, uma vez pago, pela consumidora, a integralidade do preço ajustado no contrato de compra e venda, assiste-lhe o direito de obter a propriedade plena do bem imóvel. Ao titular do ônus real compete demandar contra a incorporadora alienante (que não lhe repassou a sua parte do crédito) para resguardar os seus direitos.
4.Constatado que a instituição financeira foi na hipótese vertente responsável pela intransigência na baixa hipotecária, sua responsabilidade civil pelos danos morais vivenciados pela recorrida é inarredável, motivo por que não se há falar em reforma da sentença.
5.A Súmula 32 deste TJGO estabelece que a verba indenizatória do dano moral somente será modificada se não atendidos pela sentença os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação do valor da condenação, os quais revelam-se observados no arbitramento em R$5.000,00 (cinco mil reais) da reparação pecuniária, visto que atendidos os caracteres pedagógicos da medida sem importar em enriquecimento ilícito.
6.Por força do disposto no artigo 85, § 11º, do Código de Processo Civil, na fase recursal majoram-se os honorários advocatícios fixados na sentença. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5393726-84.2020.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 3ª Câmara Cível, julgado em 05/12/2022, DJe de 05/12/2022)
Quando o comprador enfrentar uma situação que não consegue a baixa na hipoteca, o que ele deverá fazer?
Primeiramente, para que seja viável pedir a baixa na hipoteca, é necessário que o adquirente tenha feito a quitação integral dos valores combinados a título de pagamento do imóvel e que, de igual maneira, tenha a prova desses pagamentos (comprovantes ou quitação fornecida pela empresa).
Após, deverá fazer uma notificação tanto para a empresa como para a instituição financeira que é credora da hipoteca para que deem a baixa na referida hipoteca, concedendo um prazo razoável (15 dias) para isso.
Caso não haja atendimento ao pedido extrajudicial realizado, não sobrará outra alternativa ao comprador senão ajuizar a questão perante o Judiciário.
Guarde consigo todas as provas do pagamento, da notificação e de quaisquer prejuízos que você possa ter com esse tipo de situação para que isso seja apreciado pelo magistrado que julgará a ação, o que lhe trará sucesso na baixa da hipoteca e ressarcimento pelos prejuízos experimentados.
Por fim, será necessário a contratação de um advogado para que lhe ajude a solucionar esse problema.
FONTE: https://rafaelrochafilho.jusbrasil.com.br/artigos/1749036189/o-que-fazer-com-imovel-quitado-que-continua-com-hipoteca