I – DOS FATOS
O Ministério Público do Estado de Alagoas ofereceu denúncia em desfavor do acusado pela suposta prática do delito previsto no art. 129, § 9º do Código Penal à luz da Lei nº 11.340/06.
A denúncia foi recebida pelo juízo, oportunidade em que fora determinada a citação do acusado para respondê-la, o que foi feito.
Ato contínuo, não se vislumbrando, no caso em exame, a existência manifesta de causas excludentes da ilicitude do fato, da culpabilidade do agente ou de extinção da punibilidade, designou-se audiência de instrução e julgamento.
Realizada audiência procedeu-se à oitiva das testemunhas arroladas pelo MP.
Findada a instrução processual, remeteram-se os autos à Promotoria de Justiça, oportunidade em que apresentaram as Alegações Finais em Memorial.
Por fim, remeteram-se os autos a esta Instituição Defensorial para a defesa apresentar suas Alegações Finais em Memoriais em favor do acusado, o que faz nos termos que passa a expor.
II – DAS PRELIMINARES
- Das Prerrogativas
Inicialmente, chama a atenção para a observância das prerrogativas inerentes aos membros da Defensoria Pública, em especial receber intimação pessoal, mediante entrega dos autos com vista, qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos, bem como representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais, estatuídas nos artigos 128, incisos I e XI, da Lei Complementar
n. 80/94. - Da Nulidade do Laudo Pericial
Cumpre destacar que a imputação do crime previsto 129, § 7º e 9º do Código Penal com as implicações da Lei nº 11.340/06, teve como base para comprovação da materialidade o laudo de exame de corpo de delito – lesão corporal acostado às fls. 42-43 e 46-47.
Em que pese o Código de Processo Penal no art. 159, § 1º, autorize a realização do exame de corpo de delito por duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame, na falta de perito oficial, no caso dos autos, embora tratar-se de perito não oficial , foi referendado por apenas um profissional habilitado.
O referido laudo carece de forma, pois não há a assinatura de outro perito, tampouco descrição detalhada das lesões e resposta aos quesitos , mostrando-se viciada a prova pericial, posto que no processo penal, forma é garantia. Nesse contexto leciona Aury Lopes Jr.
A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu. Um sistema de invalidades somente pode ser construído a partir da consciência desse binômio (limitação do poder/garantia), pois são as duas forças em constante tensão no processo penal. O processo penal é um instrumento de limitação do poder punitivo do Estado impondo severos limites ao exercício desse poder e também regras formais para o seu exercício. É a forma, um limite ao poder estatal. Mas, ao mesmo tempo, a forma é uma garantia para o imputado em situação similar ao princípio da legalidade do direito penal. 1
Nesse mesmo sentido tem entendido o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. LAUDO PERICIAL ASSINADO POR UM SÓ PERITO. NULIDADE. INCIDÊNCIA. SÚMULA 361 DO STF. POSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. ETILÔMETRO. EXAME DE SANGUE. IMPOSSIBILIDADE. CONSTATAÇÃO POR OUTROS MEIOS. DISPENSA DA PENA PECUNIÁRIA. REDUÇÃO DA MULTA. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. READEQUAÇÃO SOCIAL. MEDIDA NECESSÁRIA. PROVIMENTO NEGADO. Súmula 361 do STF. A constatação da embriaguez, para fins de caracterização do crime previsto no art. 306 do CTB, pode ocorrer não apenas pela realização da prova direta (teste de alcoolemia, exame de sangue, etc), mas também por outros meios, em especial o termo de constatação, corroborado pela palavra dos policiais e testemunhas. Não há de se falar em absolvição quando o conjunto probatório colacionado aos autos é suficiente para demonstrar a responsabilidade criminal do agente, sobretudo quando os depoimentos dos policiais que realizaram o flagrante e as demais provas são harmônicas, revestidas de validade. A multa é pena cumulativa com a pena corporal prevista no preceito secundário do tipo, cuja exclusão é defeso em respeito ao princípio constitucional da legalidade. Apelação. Processo nº 1000493- 60.2017.822.0006, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2a
Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. Valdeci Castellar Citon, Data de julgamento: 31/07/2019
Além disso, observa-se que o laudo pericial não ostenta a qualidade que dele legitimamente se espera porque está ilegível, não sendo possível compreender as informações e sequer há descrição das lesões atestadas no laudo pericial e resposta aos quesitos.
Neste diapasão, deve-se desconsiderar a prova pericial acostada aos autos, desentranhando-a imediatamente do processo, ante a nulidade do meio de prova, nos termos do art. 564, inciso III, alínea „b”, e cumulativamente inciso IV do Código de Processo Penal.
III – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS - Da absolvição
Narra a denúncia que o acusado supostamente ofendeu a integridade física das vítimas e EMILLE JACIELLEDA SILVA SOUZA.
Observa-se, de início, que as referidas lesões não restaram demonstradas nos autos. Isso porque os laudos periciais de exame de corpo de delito são nulos de pleno direito, considerando que não cumpriram as formalidades previstas no art. 159, § 1º, do Código de Processo Penal.
Nesse norte, considerando que forma é garantia e que, no processo penal acusatório, de herança democrática, a observância estrita das garantias que decorrem do princípio da legalidade é a única forma de traduzir um processo-crime justo, não há alternativa que não seja declarar a ilicitude da prova, nos termos do art. 157, caput, do CPP, devendo o laudo ser desentranhado dos autos do processo.
De ressaltar ainda que o laudo em questão é de baixa qualidade, uma vez que o espaço destinado à descrição da lesão está ilegível e não houve resposta aos quesitos , sendo mais uma evidência de que a pretensa prova não cumpre os requisitos mínimos legais para garantir sua validade e higidez.
Além disso, nota-se que os demais elementos de prova constantes nos autos não são harmônicos e coesos entre si.
As testemunhas de acusação relatam que quando chegaram ao local o acusado não estava agredindo as vítimas.
Apenas por cautela registra que o acusado não prestou depoimento na fase judicial, o que não pode, em hipótese alguma ser interpretado em seu desfavor.
Outrossim, cumpre trazer à baila que não se observa nos autos qualquer prova capaz de atestar que o acusado, de fato, praticou o delito que lhe foi imputado, devendo portanto, ser absolvido.
In verbis :
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL – ART. 129, § 9º, CP – LEI MARIA DA PENHA – ABSOLVIÇÃO – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE SUPORTE FÁTICO PROBATÓRIO PARA COMPROVAR A PRÁTICA DO CRIME PELO APELANTE. Não restando comprovadas as circunstâncias em que ocorreu a suposta agressão e nem qual dos envolvidos deu início a elas, tendo a palavra da vítima, apesar de sua importância e relevo, restado isolada nos autos, a absolvição é medida que se impõe, em atenção ao princípio do in dubio pro reo. (TJ-MG – APR: 10335180009979001 MG, Relator: Anacleto Rodrigues, Data de Julgamento: 12/12/2019, Data de Publicação: 16/12/2019)
Nessa senda, não tendo o Parquet se desincumbido, na hipótese dos autos, do mister probatório a ele imposto e à mingua de elementos de prova suficientes para embasar a condenação, resta intuitiva a absolvição do acusado em homenagem ao princípio do in dubio pro reo .
Sobrevém destacar que, na seara criminal, havendo apenas indícios de materialidade, como no caso sob exame, em que o conjunto probatório é frágil e insuficiente, não há falar em édito condenatório.
Pelo exposto, requer absolvição do acusado nos termos do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal, ou eventualmente inciso VII do mesmo diploma legal face ao princípio do in dubio pro reo . - Da Desclassificação Para a Contravenção Prevista no Art. 21 da Lei de Contravenção Penal
Na remota hipótese de não ser o entendimento de Vossa Excelência pela absolvição do acusado, requer-se a desclassificação do crime de lesão corporal para contravenção por vias de fato.
Conforme aludido em tópico preliminar, o Laudo de Exame de Corpo de Delito contido nos autos é nulo, não podendo ser utilizado para fins de cognição acerca da materialidade do fato.
Excelência, já é entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores a ideia de que a contravenção de vias de fato consiste na violência física contra a pessoa, sem a produção de lesão corporal.
Assim, considerando que o laudo de exame de corpo de delito, além de conter vícios de forma, ainda não goza da credibilidade que dele legitimamente se espera, pelas razões aduzidas alhures, e à mingua de outros elementos capazes de atestar que as lesões ocorreram, ou que houve entre elas e os fatos narrados na denúncia o necessário nexo de causalidade, não há que se falar na existência de lesão corporal.
Já é entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores a ideia de que a contravenção de vias de fato consiste na violência física contra a pessoa, sem a produção de lesão corporal.
Em casos análogos os tribunais tem aplicado a desclassificação:
LESÃO CORPORAL LEVE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA VIAS DE FATO. É de ser mantida a decisão a quo que desclassificou o delito de lesão corporal leve para a contravenção penal de vias de fato, haja vista que embora a denúncia tenha mencionado que o recorrido teria ofendido a integridade corporal da vítima com socos, empurrões e tapas no rosto, nada referiu sobre o modo como teria sido produzida a ofensa à integridade física (escoriação) verificada no antebraço da vítima e descrita no auto de exame de corpo de delito da fl. 12 , realizado três dias após o fato. Ademais, tanto a vítima como o réu confirmaram apenas o desferimento de tapas no rosto, tendo aquela mencionado ter sido empurrada, mas não se recordando de ter ficado lesionada. APELO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº , Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 25/04/2018).
No caso em apreço, a suposta conduta do acusado se amolda, no muito, à previsão do art. 21 da Lei de Contravencoes Penais que se apresenta como um tipo penal subsidiário, que visa à proteção da incolumidade pessoal, quando não se consumarem as lesões corporais, que configuram delito mais grave. Nesse sentido se manifesta a doutrina especializada:
“No sistema da legislação penal brasileira irrecusavelmente as vias de fato se colocam entre as ofensas físicas à pessoa, e numa gradação, na escala de gravidade das infrações, que se punem mais brandamente por se considerarem as de menor nocividade. São as violências ligeiras que não ocasionam ferimentos ou lesões.”(DUARTE, José. Comentários à Lei das Contravencoes Penais, Volume II – Parte Especial. Rio de Janeiro: Forense, 2a Edição, p. 40)
Ainda, conceitua-se a contravenção das vias de fato como a violência empregada contra a pessoa, de que não decorre ofensa à sua integridade física. Em síntese, vias de fato é a prática de perigo menor, atos de provocação exercitados materialmente sobre a pessoa, ou contra a pessoa 2 .
Nessa senda, pugna pela desclassificação do crime de lesão corporal para a contravenção penal das vias de fato.
IV – DO MÉRITO SUBSIDIÁRIO
Da primeira fase da dosimetria da pena
Caso Vossa Excelência não entenda pela absolvição, requer a aplicação da pena em seu patamar mínimo, considerando a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis hasteadas pelo órgão acusador, uma vez que inexistentes.
V – DOS PEDIDOS
Ante o exposto, respeitadas as prerrogativas da Defensoria Pública, requer a Vossa Excelência:
a) O desentranhamento do Laudo Pericial acostado aos autos, ante a nulidade do meio de prova, nos termos do art. 564, inciso III, alínea „b”, e cumulativamente inciso IV do Código de Processo Penal.
b) A ABSOLVIÇÃO do acusado, com espeque no art. 386, inciso II, do
Código de Processo Penal, ou eventualmente, inciso VII, do mesmo diploma legal face ao princípio do in dubio pro reo ;
c) Subsidiariamente, a desclassificação do crime de lesão corporal, tipificado no art. 129, § 9º do Código Penal, para a contravenção penal de vias de fato constante no art. 21 da Lei de Contravencoes Penais;
d) Eventualmente, caso Vossa Excelência não entenda pela absolvição, requer a aplicação da pena nos termos expostos supra.
e) Prequestiona as matérias constitucionais e concernentes a leis federais suscitadas, para fins de interposição de recursos extraordinários;
f) Por derradeiro, requer seja o acusado dispensado do pagamento das custas processuais, uma vez que não possui condições de arcar com tais despesas sem prejuízo do sustento próprio e de suas famílias, fazendo, portanto, jus ao exercício do direito fundamental à Gratuidade de Justiça, insculpido no artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil e no artigo 806, § 1º, do Código de Processo Penal.
Termos em que pede deferimento.