DEFESA – RECURSO CONTRA MULTA DE TRÂNSITO POR RECUSA AO TESTE DO BAFÔMETRO

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DIRETOR DO DEINFRA – SC

INFRAÇÃO RECORRIDA

Nº do AIT…

Código Órgão Denatran 125200

Código Órgão Autuador 8785

Veículo Autuado…

RENAVAN…

INFRATORA, brasileira, solteira, estudante, RG n…, CNH n… e CPF n…, residente e domiciliada na Rua…, n…, Centro, Florianópolis/SC, CEP…, por seu advogado, conforme instrumento procuratório acosto, vem, tempestivamente, com fundamento no art. 277 e 280 do Código de Trânsito Brasileiro, art. da Constituição Federal de 1988 e Resolução nº 432/2013 do CONTRAN, apresentar

Defesa Prévia Recurso contra multa por recusa ao teste do bafômetro

Em razão da autuação de trânsito n…  lavrada pela Polícia Militar Rodoviária do Estado de Santa Catarina, requerendo ao final, a anulação e arquivamento do auto de infração, sem imposição de penalidade à recorrente, conforme os motivos de fato e de direito em seguida expostos.

1. DOS FATOS e da FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Em 10.08.2019, às 21:29, a Recorrente, quando na direção do veículo Ford Ka, placas…, foi abordada no Posto da Policia Militar Rodoviária localizado na SC-401, km 9,7 em Florianópolis/SC, tendo a autoridade policial lhe requerido que se submetesse ao exame de alcoolemia, conhecido como teste do bafômetro.

Embora não tivesse ingerido qualquer bebida alcoólica, negou-se a fazer tal teste, seja por não ser obrigada a produzir prova contra si, seja porque o exame mencionado, como amplamente noticiado, demonstra consumo de álcool até mesmo pelo simples uso de enxaguante bucal ou mesmo bombom de licor [1], a revelar a fragilidade desse método.

Diante da simples recusa, foi autuada por supostamente infringir o art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro ( CTB), in verbis:

Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277. […].

Ocorre que, a recusa em submeter-se ao teste do bafômetro não implica, por si só, em inexorável reconhecimento de estado de embriaguez, sob pena de violação da vedação a autoincriminação, do direito ao silêncio, da ampla defesa e do princípio da presunção de inocência (art. 5º, II [2], LIV [3], LV [4], LVII [5] e LXIII [6], da CRFB/88; art. 8, 2, g [7], da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e art. 14, 3, g [8] do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).

Além disso, se o indivíduo não pode ser compelido a se autoincriminar, nemo tenetur se detegere, não pode ser obrigado a efetuar o teste do bafômetro, competindo à autoridade fiscalizadora provar a embriaguez a fim de aplicar as sanções previstas pelo art. 165 do CTB (leia-se 165-A) através dos mecanismos dispostos pelo artigo 277 do mesmo diploma, que assim dispõem:

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

[…]

§ 2o A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.

§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165-A deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

Portanto, na ausência do teste de alcoolemia, caberia à autoridade policial no momento da abordagem a produção de outras provas do suposto estado de embriaguez da Recorrente por meios diversos, tais como o exame pericial, a comprovação testemunhal ou, até mesmo, a descrição do estado físico e mental da abordada.

Fato é que não há qualquer menção sequer de tentativa de realização de prova indireta que pudesse atestar o estado de ebriedade da condutora no momento da abordagem.

Ademais, a infração deverá ser comprovada pela autoridade policial por meios previamente regulamentos pelo CONTRAN nos termos do art. 280 do CTB, senão vejamos:

Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: […]

§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

Em obediência à disposição legal supramencionada, foi editada a Resolução Nº 432, de 23 de janeiro de 2013 pelo CONTRAN, dispondo sobre os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na fiscalização do consumo de álcool para aplicação do disposto nos arts. 165, 276, 277 e 306 do CTB.

A Resolução é indiscutivelmente objetiva. Destacamos:

Art. 3º A confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência dar-se-á por meio de, pelo menos, UM dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor de veículo automotor:

Evidentemente denota-se que nenhum dos procedimentos descritos nesse art. 3º foram realizados na Recorrente, em flagrante violação da norma. Senão vejamos:

I – exame de sangue;

II – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência;

III – teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro);

IV – verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor.

§ 1º Além do disposto nos incisos deste artigo, também poderão ser utilizados prova testemunhal, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido.

§ 2º Nos procedimentos de fiscalização deve-se priorizar a utilização do teste com etilômetro. […]

E ainda:

Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por:

I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou

II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor.

§ 2º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o inciso II DEVERÃO SER DESCRITOS NO AUTO DE INFRAÇÃO ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração.

Ora! Da simples análise do AIT n…, lavrado em desfavor da Recorrente, percebe-se que a autoridade policial não preencheu corretamente o campo “Observações” conforme obriga a norma.

NOTA: Por óbvio esta Autoridade de Trânsito sabe, mas apenas para clarear, hodiernamente o auto de infração é lavrado em formato digital, ou seja, por meio de tablets, pelos quais o agente policial insere os dados do suposto infrator e posteriormente os remete para a nuvem (servidores do Deinfra), podendo ser a qualquer tempo consultado online através do sítio de internet do Deinfra. Portanto, o auto acima, reflete a íntegra da suposta infração da Recorrente.

O § 2ºdo artt . 5º da Resolução nº 432 do CONTRAN, é ainda mais categórico, dispondo nitidamente que os sinais de embriaguez verificados pela autoridade policial devem ser mencionados no campo de observação do auto de infração, os quais devem obrigatoriamente corresponder aqueles enumerados no anexo II da referida resolução, o que não ocorreu. A título de clareza insofismável, eis o Anexo II:

ANEXO II

SINAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA

Informações mínimas que deverão constar no termo mencionado no artigo 6º desta Resolução, para constatação dos sinais de alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito:

I. Identificação do órgão ou entidade de trânsito fiscalizador;

II. Dados do condutor:

a. Nome;

b. Número do Prontuário da CNH e/ou do documento de identificação;

c. Endereço, sempre que possível.

III. Dados do veículo:

a. Placa/UF;

b. Marca;

IV. Dados da abordagem:

a. Data;

b. Hora;

c. Local;

d. Número do auto de infração.

V. Relato do condutor:

a. Envolveu-se em acidente de trânsito;

b. Declara ter ingerido bebida alcoólica, sim ou não (Em caso positivo, quando);

c. Declara ter feito uso de substância psicoativa que determine dependência, sim ou não (Em caso positivo, quando);

VI. Sinais observados pelo agente fiscalizador:

a. Quanto à aparência, se o condutor apresenta:

i. Sonolência;

ii. Olhos vermelhos;

iii. Vômito;

iv. Soluços;

v. Desordem nas vestes;

vi. Odor de álcool no hálito.

b. Quanto à atitude, se o condutor apresenta:

i. Agressividade;

ii. Arrogância;

iii. Exaltação;

iv. Ironia;

v. Falante;

vi. Dispersão.

c. Quanto à orientação, se o condutor:

i. sabe onde está;

ii. sabe a data e a hora.

d. Quanto à memória, se o condutor:

i. sabe seu endereço;

ii. lembra dos atos cometidos;

e. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta:

i. Dificuldade no equilíbrio;

ii. Fala alterada;

VII. Afirmação expressa, pelo agente fiscalizador:

a. De acordo com as características acima descritas, constatei que o condutor acima qualificado, está () sob influência de álcool () sob influência de substância psicoativa.

b. O condutor () se recusou () não se recusou a realizar os testes, exames ou perícia que permitiriam certificar o seu estado quanto à alteração da capacidade psicomotora.

VIII. Quando houver testemunha (s), a identificação:

a. nome;

b. documento de identificação;

c. endereço;

d. assinatura.

IX. Dados do Policial ou do Agente da Autoridade de Trânsito:

a. Nome;

b. Matrícula;

c. Assinatura.

O art. 6º mencionado pelo Anexo II da mesma Resolução, realça o mandamento obrigatório de fazer constar no campo de observações os sinais de embriaguez ou alteração psicomotora, senão sejamos:

Art. A infração prevista no art. 165 do CTB será caracterizada por:

I – exame de sangue que apresente qualquer concentração de álcool por litro de

sangue;

II – teste de etilômetro com medição realizada igual ou superior a 0,05 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (0,05 mg/L), descontado o erro máximo admissível nos termos da “Tabela de Valores Referenciais para Etilômetro” constante no Anexo I;

III – sinais de alteração da capacidade psicomotora obtidos na forma do art. 5º.

Parágrafo único. Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB ao condutor que recusar a se submeter a qualquer um dos procedimentos previstos no art. , sem prejuízo da incidência do crime previsto no art. 306 do CTB caso o condutor apresente os sinais de alteração da capacidade psicomotora.

Por derradeiro, determina o art. 8º da referida resolução que:

Art. Além das exigências estabelecidas em regulamentação específica, o auto de infração lavrado em decorrência da infração prevista no art. 165 do CTB deverá conter: […]

II – no caso do art. 5º, os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o Anexo II ou a referência ao preenchimento do termo específico de que trata o § 2º do art. 5º; […]

IV – conforme o caso, a identificação da (s) testemunha (s), se houve fotos, vídeos ou outro meio de prova complementar, se houve recusa do condutor, entre outras informações disponíveis.

§ 1º Os documentos gerados e o resultado dos exames de que trata o inciso I deverão ser anexados ao auto de infração.

Nada disso foi realizado pela autoridade policial quando da abordagem e posterior lavratura do auto de infração. Ora! Nem haveria a necessidade de tanta argumentação, tamanho são os vícios do auto de infração. Aliás, cumpre lembrar que o servidor público está vinculado diretamente ao preceito Constitucional do art. 37 [9] sob pena de responsabilização, restando cristalino que o descumprimento da norma pelo agente fere os princípios ali inseridos, tornando nulo o referido auto de infração.

Não obstante o disposto na resolução, os agentes públicos permaneceram omissos no cumprimento dos parâmetros supracitados, inexistindo qualquer menção ou documentação com as informações acerca de sinais resultantes do consumo de álcool.

Por certo, a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos não pode provocar a presunção da culpa da Recorrente e se sobrepor aos direitos e garantias fundamentais, como a presunção da inocência. Como dito, na ausência do teste de alcoolemia, caberia à autoridade policial a produção de outras provas do suposto estado de embriaguez da Recorrente por meios diversos, o que não fez!

Pelos argumentos e provas apresentados, requer a esta Autoridade de Trânsito, seja o AIT n… julgado inconsistente e consequentemente arquivado, diante da omissão e ilegalidade da autoridade policial em provar por outros meios o suposto estado de embriaguez, pois para fazer cumprir a Lei, a Lei também deve ser cumprida, sob pena de violação do Estado Democrático de Direito e dos Princípios Constitucionais.

2. DOS PEDIDOS e REQUERIMENTOS

Portanto, tomando ciência da ilegalidade da multa aplicada à Recorrente, REQUER à esta Autoridade de Trânsito, que determine o arquivamento do AIT n…, julgando seu registro inconsistente nos termos do art. 281, Parágrafo Único, inciso I do CTB, anulando todos os seus efeitos;

Requer, a aplicação do disposto no art. 285, § 3º do CTB, caso o recurso não seja julgado dentro do prazo previsto neste artigo.

Requer, a juntada da documentação acosta, bem como do instrumento procuratório, com a admissão da presente Defesa Prévia, lhe deferindo integralmente, julgando inconsistente o registro do AIT n…, com seu devido arquivamento e anulação.

Por ocasião, são acostos a esta Defesa Prévia, cópias do notificação da infração e do AIT n…, cujo sua emissão pela autoridade policial é no formato digital e pode ser consultada no sítio do DEINFRA; do documento do veículo; dos documentos pessoais da Recorrente; procuração e documento do advogado;

Requer e espera deferimento.

Florianópolis, 12 de setembro de 2019

Advogado

OAB/SC


[1] Bombom de licor pode ser identificado no bafômetro? Sim. Para uma mulher de 50 kg, três bombons e meio – cada um com 6 ml de licor – bastariam para elevar o nível do álcool no sangue além do limite da lei Seca brasileira! Reportagem de 4 de julho del 2018, 20h23 – Acessado em 05 de setembro de 2018. Disponível em https://super.abril.com.br/mundo-estranho/bombom-de-licor-pode-ser-identificado-no-bafometro/.

[2] II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[3] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[4] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[5] LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

[6] LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

[7] Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: […] g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.

[8] Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. […] g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

[9] Art. 37- A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (…)

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