Atenção com os prazos penais no recesso forense!
Por Victor Emídio Cardoso
É natural que depois de um ano tão intenso o corpo e a mente implorarem por um pouco de descanso. Quem é que não está contando os segundos para o tão sonhado recesso forense?
Antes de mais nada, cabe lembrar que o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) consagrou em seu artigo 220 uma prática que, principalmente em razão de resoluções e portarias advindas de alguns Tribunais, já vinha sendo adotada há certo tempo. Não à toa a norma em comento é vista por muitos como uma verdadeira conquista da advocacia.
Nesse sentido, determina o mencionado artigo que nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro serão suspensos os prazos processuais. Diante disso, um importante questionamento surge necessário: seria o art. 220 do CPC aplicável aos processos criminais?
A questão é aparentemente simples, mas pode causar, sobretudo nos estudantes e advogados iniciantes, certa confusão. Por isso, mostram-se necessários alguns esclarecimentos.
Para aquecer o debate, lembro que o art. 15 do CPC permite a aplicação supletiva e subsidiária da norma processual civil aos processos eleitorais, administrativos e trabalhistas. Embora o mencionado dispositivo legal nada mencione acerca da incidência das normas processuais civis no processo penal, há inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo tal aplicação.
Isso ocorre porque, vale lembrar, o CPC é a lei processual básica (ou comum). Significa dizer que a sua incidência atinge os processos em geral, ou seja, seu alcance vai muito além dos processos civis (CÂMARA, 2018, p. 23). Ademais, o art. 3º do CPP deixa claro o fato de a legislação processual penal admitir a interpretação extensiva, bem como a aplicação analógica.
Contudo, é preciso certa cautela no momento de analisar a compatibilidade entre o que determina os arts. 15 e 220 do CPC e o processo penal, já que este último apresenta certas particularidades que de maneira alguma podem ser ignoradas.
Foi com base nesse entendimento que a ministra Carmen Lúcia, em 09 de dezembro de 2016, indeferiu liminar proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco que pretendia fosse reconhecida a extensão do recesso forense previsto no CPC para os processos criminais.
Atenção com os prazos penais
A ministra, à época presidente do STF e do CNJ, deixou claro que, embora as normas do processo civil possam ser supletivamente aplicadas ao processo penal em casos de ausência de norma específica, isso não se aplica à questão dos prazos processuais.
Isso, porque o CPP contém disposição específica sobre o tema, a qual está presente em seu art. 798, caput, que determina:
Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou feriado.
Trata-se, portanto, de clara aplicação do princípio da especialidade. Não havendo lacuna normativa que justifique a aplicação da regra prevista no art. 220 do CPC.
Em recente julgado sobre o tema, decidiu o STJ da seguinte maneira:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. SUSPENSÃO DOS PRAZOS ATÉ 20 DE JANEIRO. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto fora do prazo de 15 dias corridos, nos termos do art. 994, VIII, c/c os arts. 1.003, § 5º, e 1.042, todos do Código de Processo Civil, e também art. 798 do Código de Processo Penal. 2. Em razão do princípio da especialidade, os prazos previstos no art. 220 do CPC, regulamentados pela Resolução 244/CNJ, não incidem aos processos criminais, tendo em vista o regramento disposto no art. 798, caput, e § 3º, do CPP. Precedentes. 3. O recesso judiciário e o período de férias coletivas, em matéria processual penal, têm como efeito, em relação aos prazos vencidos no seu curso, a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao seu término, não havendo interrupção ou suspensão (AgRg no Inq 1.105/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/03/2017, DJe 19/04/2017.) 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1261954/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2018, DJe 13/09/2018) – grifou-se.
Portanto, conforme visto, em matéria processual penal os prazos não são interrompidos ou suspensos durante o recesso forense. Fluem normalmente. O que ocorre é apenas a prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil posterior ao seu término (acaso tal vencimento ocorra no período de recesso).
Para exemplificar, vale mencionar o que ocorre no meu estado, Minas Gerais. A Lei Complementar nº 59 (Lei de Organização e Divisão Judiciárias) estabelece em seu art. 313, § 5º, inciso II, que são feriados na Justiça do Estado os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro, inclusive. Durante tal período, não há expediente no TJMG.
Assim, suponhamos que no dia 3 de janeiro ocorra o exaurimento do prazo para a interposição de um determinado recurso. Nos termos do que determina o § 3º, do art. 798, do CPP, ocorrerá a prorrogação desse término de prazo para o primeiro dia útil subsequente.
De acordo com o que determina o inciso II, do § 5º, do art. 313, da mencionada Lei Complementar nº 59, qual será o primeiro dia útil subsequente? Será o dia 7 de janeiro. Portanto, vale frisar, deverá, nesse caso, ser o recurso protocolado no dia 7 de janeiro, sob pena de intempestividade.
Atenção com os prazos penais no recesso forense!
Por fim, cabe lembrar que, no processo penal, o Ministério Público não goza, em regra, da prerrogativa dos prazos impróprios. O mesmo valendo para os prazos em dobro. Por conseguinte, as mesmas cautelas que os advogados devem tomar quanto aos prazos penais durante o recesso forense são estendidas aos promotores de justiça, sob pena de intempestividade.
Um ótimo recesso para todos!
Fonte:https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/794039356/atencao-com-os-prazos-penais-no-recesso-forense